Dengue: 4 casos são confirmados em SP com subtipo que estava desaparecido há 15 anos; entenda o risco

Sorotipo 3 foi detectado em Votuporanga, no interior de São Paulo; com menos gente imune, perigo de reinfecção é maior

Quatro casos de dengue causados pelo sorotipo 3 — uma “versão” da doença que não aparecia no estado há 15 anos — foram identificados em São Paulo. Todos os diagnósticos ocorreram em Votuporanga a 520 quilômetros da capital paulista. Entre as pacientes identificadas, são todas mulheres, está uma menina de 5 anos de idade. Até este momento, todas passam bem e são monitoradas pelo serviço de saúde municipal.

— Para nós é tudo muito novo. Reforçamos todas as ações que são feitas (para conter a doença), com os agentes de saúde nas casas. Fizemos as orientações das pessoas, dos contatos, temos também intensificado a limpeza nas áreas de maior risco — disse ao GLOBO a secretária de Saúde da cidade, Ivonete Felix, tão logo o primeiro caso foi confirmado. — As pacientes estão bem, seguimos orientando a população.

As quatro pacientes detectadas com a dengue moram no mesmo bairro, na Zona Sul da cidade, mas não são familiares. Como não há indicativo de que essas pessoas viajaram para fora de Votuporanga, já é possível considerar que esse tipo do vírus da dengue circula pela região, o que acende um alerta epidemiológico.

Em nota, a secretaria municipal informou que o primeiro caso a ser confirmado foi o de uma mulher de 34 anos. Ainda disse que “nas ações de bloqueio, identificou outros sete casos suspeitos, cujas amostras foram colhidas e enviadas para análise. Dos sete, três foram confirmados para o tipo 3 da Dengue, sendo todas do sexo feminino, com 5, 31 e 46 anos”.

Para entender a importância desse achado, feito pela vigilância sentinela do estado de São Paulo, convém olhar para como funciona a disseminação da dengue. Conforme explica a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), existem quatro sorotipos, ou seja “versões”, do vírus que causa a dengue. São eles DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. No Brasil, nos últimos anos e variando por localidade, se revezam os tipos 1 e 2. E é ai que está a atenção para a “reinserção” do tipo 3. Isso porque em todos os casos de dengue, assim que o paciente se recupera de uma infecção, ele tem “imunidade contra o sorotipo adquirido”.

Isso quer dizer que ele não irá adoecer novamente pela mesma “variação” do vírus. Mas segue vulnerável a todas as outras linhagens. Ter uma nova vertente da dengue circulando no país quer dizer que menos pessoas têm a proteção natural. Além disso, uma segunda infecção por dengue é sempre mais perigosa que a primeira, daí a preocupação com a chegada de um novo subtipo em um estado populoso como São Paulo.

Vale ressaltar que esse subtipo 3 não é capaz, sozinho, de causar casos mais graves do que as outras variações. Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), porém, afirma que a detecção de múltiplos casos dessa versão da dengue é um sinal de alerta, dada a possibilidade de sua disseminação.

— É mais provável que teremos a transmissão autóctone, que é pior. Quer dizer que há mosquitos infectados com esse sorotipo e que está ocorrendo a transmissão (no local). Surtos restritos são sinais de alerta, podem significar a disseminação desse sorotipo que há décadas não circula, não só no estado de São Paulo, mas no Brasil como um todo — diz Naime. — Lembramos que agora temos a vacina, que protege contra efeitos graves da doença. Mas é um grande alerta, porque a população mais jovem é completamente vulnerável a esse sorotipo.

Em nota, o governo de São Paulo informou que “foi notificado sobre casos suspeitos de dengue sorotipo 3 em Votuporanga, que estão em investigação pela vigilância epidemiológica municipal”. O estado ainda diz que “monitora o cenário epidemiológico com plano de contingência que é feito todos os anos, independente da linhagem”.

O governo paulista informou que no dia 27 de novembro, especialistas em saúde estarão reunidos em São Paulo para discutir o cenário epidemiológico e o uso de novas tecnologias capazes de combater as arboviroses, que são doenças causadas por vírus transmitidos por mosquitos. O encontro, contudo, já estava marcado antes de ocorrer o surgimento desses casos do novo sorotipo.

O aparecimento de casos motivados por essa outra linhagem, que sempre esteve presente no exterior, ocorre em um período delicado. O atual panorama climático, marcado por um calor intenso em épocas que deveriam ser mais frescas, pode potencializar a transmissão da doença no Brasil nos próximos meses.

— Vamos ter um aumento expressivo de casos porque temos muito vetor (mosquito) de dengue. Tivemos, por conta do El Niño, um efeito climático que torna os dias mais quentes. Passamos por um inverno atípico, com muitos casos de dengue. O verão, quente e chuvoso irá potencializar esse cenário. Na região Sul, por exemplo, não tínhamos casos, mas com o aumento da temperatura estamos tendo dengue no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina — afirma Júlio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. — A presença desse sorotipo traz mais preocupação, vamos ter uma grande parcela da população sem imunidade.

Embora não existam dados de modelagem matemática que possam dar pistas de como será o próximo verão, convém olhar os dados atuais sobre o avanço da dengue no país, altos quando comparados com as taxas do ano passado.

De acordo com o último boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, lançado no dia 25 de outubro, foram identificados 1,53 milhão de casos prováveis de dengue no país até agora. Esses números representam um aumento de 16,5% no volume de diagnóstico quando comparado com o mesmo período de 2022.

Fiocruz

Ainda primeiro semestre deste ano, a Fiocruz havia alertado que o ressurgimento do sorotipo 3 do vírus da dengue no Brasil (nas regiões Sul e Norte) o que acendeu o sinal de alerta de especialistas sobre o risco de uma nova epidemia da doença causada por esse subtipo viral.

Em um estudo, coordenado pela Fiocruz Amazônia e pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), as amostras, de diagnósticos deste ano, apresentaram a caracterização genética dos vírus (do tipo 3) em casos de Roraima e Paraná. Agora, São Paulo se soma a essa lista.