Butantan trabalha no desenvolvimento de vacina contra Zika para prevenir microcefalia em recém-nascidos

Feita com vírus inativado, a formulação inicial está pronta e os testes pré-clínicos devem começar em 2024


O Instituto Butantan está desenvolvendo uma vacina contra o Zika, vírus que pode causar microcefalia em bebês de mães infectadas na gestação, e para o qual ainda não existe prevenção. A expectativa é que os testes em modelos animais tenham início no segundo semestre de 2024. Os pesquisadores têm se dedicado ao estudo da vacina desde 2015, quando o Brasil enfrentou uma epidemia do vírus. Entre 2015 e 2022, o país registrou quase 1.900 casos dessa malformação congênita, segundo o Ministério da Saúde.

A microcefalia é uma condição em que a cabeça do bebê é muito menor do que o esperado, exigindo acompanhamento médico para toda a vida. As crianças podem apresentar convulsões, atrasos no desenvolvimento, deficiência intelectual, problemas motores e de equilíbrio, dificuldade de se alimentar, perda auditiva e problemas de visão. Em quadros mais graves, a expectativa de vida pode variar de alguns meses até 10 anos.

Em desenvolvimento pelos laboratórios do Centro de Desenvolvimento e Inovação (CDI) do Instituto Butantan, o imunizante é composto pelo vírus inativado, plataforma ideal e mais segura para aplicação em gestantes. “Nós temos o protótipo inicial da vacina que poderá ser produzido em condições de Boas Práticas de Fabricação [BPF]. Estamos trabalhando no refinamento da formulação para caminhar para os ensaios pré-clínicos”, explica o diretor do Laboratório Multipropósito, Renato Mancini Astray, um dos responsáveis pelo projeto.

 Células infectadas pelo vírus Zika analisadas no Laboratório Multipropósito do Butantan

Estudos de prova de conceito feitos em animais, para avaliar a viabilidade do produto, já mostraram que a vacina é capaz de gerar anticorpos neutralizantes contra o Zika. A próxima etapa, prevista para agosto de 2024, é fazer testes pré-clínicos de segurança para verificar a tolerabilidade e possíveis reações adversas.

Apesar de ainda estar em fase inicial, a expectativa em relação à nova candidata a vacina é positiva. Ela utiliza técnicas clássicas de produção, além de um adjuvante tradicional, o hidróxido de alumínio (composto responsável por potencializar a resposta e ajudar a mantê-la a longo prazo). São métodos conhecidos e considerados seguros pela comunidade científica.

“Como o principal público-alvo seriam mulheres grávidas, a vacina contra Zika precisa ter um perfil de segurança muito alto. A confiabilidade desses processos é grande, tanto em termos científicos como no aspecto regulatório”, aponta o pesquisador.

Além do grande impacto social do Zika, o cientista ressalta os desafios econômicos que envolvem a doença: o custo para a saúde pública brasileira foi de R$ 4,6 bilhões em 2015 e 2016. Em toda a América Latina, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), esse valor pode ter chegado a US$ 18 bilhões. O tratamento mínimo de uma criança com microcefalia custa R$ 493,00 por mês, e uma única unidade de saúde especializada nesse atendimento tem custo anual estimado de R$ 872 mil. No Brasil, as crianças com microcefalia são atendidas nos Centros Especializados de Reabilitação (CER), Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) e Ambulatórios de Seguimento de Recém-Nascidos.

A vacina em desenvolvimento também possui uma grande vantagem tecnológica. “No Brasil, nós produzimos muitas vacinas, mas desenvolvemos pouco: a maioria vem de transferência de tecnologia. Com o projeto do Zika, temos a oportunidade de fazer uma vacina que seja desenvolvida no Brasil da bancada ao produto”, destaca o pesquisador do Butantan.

Pesquisador avalia amostras do estudo em laboratório

O caminho da pesquisa

O estudo da vacina do Zika contou com o apoio do órgão Biomedical Advanced Research and Development Authority (BARDA), do governo dos Estados Unidos. O Butantan já possuía um acordo com o BARDA e a Organização Mundial da Saúde (OMS) para desenvolver um imunizante contra gripe aviária, que foi estendido após a emergência do Zika em 2015 para trazer soluções a esse outro problema de saúde pública.

Na época, o vírus foi isolado de uma amostra de sêmen humano pelo grupo do professor Edison Durigon, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), que transferiu o material para o Butantan. “Através do apoio oferecido pelo BARDA, nós contratamos um serviço de produção em BPF e certificação dos bancos mestre de células e vírus Zika, adequados para a produção da vacina”, diz Renato.

No Brasil, a epidemia do Zika durou aproximadamente um ano, o que desacelerou o estudo, mas os cientistas do Butantan continuaram trabalhando nas etapas de produção do vírus, inativação, análise de qualidade, purificação e formulação. “Seguimos com o trabalho até 2020, quando todos os esforços das equipes de virologia precisaram se voltar para a Covid-19, e foi preciso pausar o projeto”, esclarece Renato.

Vírus é armazenado em refrigeração -80°C

Formulação da vacina

O processo de produção do imunizante funciona da seguinte forma: as células são cultivadas em frascos, multiplicadas em biorreator e inoculadas com o vírus; depois, o material é filtrado para eliminar contaminantes celulares. O passo seguinte é a inativação do vírus, utilizando um reagente químico clássico, e depois ocorre a purificação. Por fim, o vírus inativado e purificado é concentrado e formulado. O produto final pode ser armazenado em refrigeração comum (2°C a 8°C).

Para chegar a duas formulações adequadas, foram testadas mais de 60 diferentes composições nos últimos anos. Nesse momento, os pesquisadores trabalham na versão final que será encaminhada para estudos pré-clínicos. Com a formulação estabelecida por enquanto, o produto tem uma estabilidade de 100% por pelo menos quatro meses e atividade comprovada por até 8 meses. A composição final envolve a adição do adjuvante antes do envasamento nos frascos de vacina, etapa que tende a melhorar ainda mais o perfil de estabilidade do produto. 

Vale ressaltar que, sem o vírus em circulação, não é possível fazer ensaios clínicos de eficácia (fase 3) para avaliar se os vacinados ficam menos doentes do que os não vacinados – outro motivo para o estudo estar em estágio inicial. Hoje, existem dois imunizantes contra Zika de farmacêuticas estrangeiras sendo estudados em pacientes, que se encontram nas fases 1 (de análise de segurança) e 2 (de análise de imunogenicidade, ou seja, capacidade de induzir anticorpos) de ensaio clínico.

Detalhe de frasco contendo o vírus Zika

Reportagem: Aline Tavares

Fotos: Renato Rodrigues