“Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique, Senhor Presidente”, desafiou Barra Torres
Em nota divulgada neste sábado (8), o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, almirante Barra Torres, reagiu às declarações do presidente Jair Bolsonaro que colocam em dúvida a integridade do órgão.
“Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique, Senhor Presidente. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa aliás, sobre qualquer um que trabalhe hoje na Anvisa, que com orgulho eu tenho o privilégio de integrar”, diz o texto assinado por Barra Torres, dirigido a Bolsonaro.
O diretor-presidente da Anvisa destacou que, caso o presidente não tenha provas contra ele ou pessoas que trabalhem na agência, que faça uma retratação. “Se o senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate”, disse.
“Estamos combatendo o mesmo inimigo e ainda há muita guerra pela frente. Rever uma fala ou um ato errado não diminuirá o senhor em nada. Muito pelo contrário”, conclui o almirante da Marinha.
Ataques de Bolsonaro contra a Anvisa
A nota de Barra Torres vem após ataques reiterados e mentirosos de Bolsonaro à imunização infantil e a própria Anvisa. Em uma entrevista à emissora TV Nova Nordeste, na quinta-feira (6), o presidente minimizou o número de mortes de crianças em decorrência da covid-19. E questionou qual seria o “interesse” da Anvisa em aprovar a aplicação da vacina da Pfizer para crianças entre 5 e 11 anos no Brasil.
“Eu pergunto: você tem conhecimento de uma criança de 5 a 11 anos que tenha morrido de Covid? Eu não tenho. Na minha frente tem umas dez pessoas aqui, se alguém tem levante o braço. Ninguém levantou o braço na minha frente. Você vai vacinar o teu filho contra algo que o jovem, por si só, uma vez pegando o vírus a possibilidade dele morrer é quase zero? O que que está por trás disso? Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual o interesse daquelas pessoas taradas por vacina?”, disse, ignorando que o próprio Ministério da Saúde 308 mortes de crianças de 5 a 11 anos desde o início da pandemia.
Mais tarde, em live divulgada pelas redes sociais realizada no mesmo dia, voltou à carga contra a vacinação infantil e à Anvisa. “A Anvisa virou outro poder no Brasil. É a dona da verdade, dona de tudo.”
Além da Anvisa, as agências dos Estados Unidos e da União Europeia aprovaram a vacinação de crianças com o imunizante produzido pela Pfizer.
Vacinação infantil
Tanto Bolsonaro quanto o ministro da Saúde Marcelo Queiroga poderiam cometer crime de improbidade administrativa caso não implementem a vacinação obrigatória contra a covid-19 para crianças entre 5 e 11 anos, de acordo com o advogado Ariel de Castro Alves. Toda vacinação infantil (0 a 12 anos), quando recomendada por autoridades sanitárias, como a Anvisa, passa a ser obrigatória, segundo o artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
“O ministro da Saúde e o presidente da República podem responder por improbidade administrativa, porque é dever dos agentes públicos cumprir as leis vigentes. A decisão do governo de que a vacinação não é obrigatória afronta os direitos das crianças”, explicou à RBA o advogado. Desse modo, segundo Ariel, Bolsonaro e Queiroga deveriam responder judicialmente. “Porque o ministro não age como técnico ou médico, mas como capacho do presidente. Assim, terão de responder por improbidade administrativa por não cumprir a lei”.
Íntegra da nota
Nota – Gabinete do Diretor Presidente da Anvisa, Sr. Antonio Barra Torres
Em relação ao recente questionamento do Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, quanto à vacinação de crianças de 05 a 11 anos, no qual pergunta “Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí?”, o Diretor Presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, responde:
Senhor Presidente, como Oficial General da Marinha do Brasil, servi ao meu país por 32 anos. Pautei minha vida pessoal em austeridade e honra. Honra à minha família que, com dificuldades de todo o tipo, permitiram que eu tivesse acesso à melhor educação possível, para o único filho de uma auxiliar de enfermagem e um ferroviário.
Como médico, Senhor Presidente, procurei manter a razão à frente do sentimento. Mas sofri a cada perda, lamentei cada fracasso, e fiz questão de ser eu mesmo, o portador das piores notícias, quando a morte tomou de mim um paciente.
Como cristão, Senhor Presidente, busquei cumprir os mandamentos, mesmo tendo eu abraçado a carreira das armas. Nunca levantei falso testemunho.
Vou morrer sem conhecer riqueza Senhor Presidente. Mas vou morrer digno. Nunca me apropriei do que não fosse meu e nem pretendo fazer isso, à frente da Anvisa. Prezo muito os valores morais que meus pais praticaram e que pelo exemplo deles eu pude somar ao meu caráter.
Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique, Senhor Presidente. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa aliás, sobre qualquer um que trabalhe hoje na Anvisa, que com orgulho eu tenho o privilégio de integrar.
Agora, se o Senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate.
Estamos combatendo o mesmo inimigo e ainda há muita guerra pela frente.
Rever uma fala ou um ato errado não diminuirá o senhor em nada. Muito pelo contrário.
Antonio Barra Torres
Diretor Presidente – Anvisa
Contra-Almirante RM1 Médico
Marinha do Brasil