Procurador do estado ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade
No dia de ontem o Procurador do estado de São Paulo ingressou com uma ADIN contra o decreto de flexibilização do município de Bastos.
Sustenta o requerente que o abrandamento da quarentena viola os princípios de prevenção e precaução em matéria de proteção à vida e à saúde. Requer, em caráter liminar, a suspensão do decreto acima mencionado até o julgamento definitivo da presente ação.
O relator do processo Desembargador Dr. Elcio Trujillo, concedeu o deferimento para a suspensão do decreto.
Veja a decisão
Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade promovida pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, com o fim de que seja declarada a inconstitucionalidade do Decreto nº 1.313, de 11 de maio de 2020, do Município de Bastos, que dispõe sobre a adoção do distanciamento social seletivo (quarentena vertical) e o plano de abertura do comércio municipal (fls. 83/92). Sustenta o requerente que o abrandamento da quarentena viola os princípios de prevenção e precaução em matéria de proteção à vida e à saúde. Requer, em caráter liminar, a suspensão do decreto acima mencionado até o julgamento definitivo da presente ação. Pois bem. A medida liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade somente pode ser deferida quando presentes, de modo inequívoco, o fumus boni iuris, resultante de indício de que o direito pleiteado de fato existe, e o periculum in mora, compreendido como o receio de que a demora da decisão judicial acarrete dano grave ou de difícil reparação ao bem tutelado. Hipótese verificada nos autos. Em recente decisão proferida nos autos do pedido de suspensão de liminar nº 2080564-34.2020.8.26.0000, assim decidiu o Excelentíssimo Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça/SP DESEMBARGADOR GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO: “O MUNICÍPIO DE SERTÃOZINHO formula pedido de suspensão dos efeitos da medida liminar deferida nos autos da ação civil pública nº 1001984-54.2020.8.26.0597, da 1ª Vara Cível da Comarca de Sertãozinho, e isso com a alegação de grave lesão à ordem e à economia públicas. De acordo com o que consta dos autos, o juízo deferiu medida liminar que determinou ao Município de Sertãozinho o cumprimento do Decreto Estadual nº 64.881/2020 e de todas as disposições emanadas pelas autoridades sanitárias do Governo do Estado de São Paulo no que toca à pandemia de COVID-19 (coronavírus), enquanto seus efeitos estiverem presentes, fixando ainda a suspensão de atividades em estabelecimentos privados de serviços e atividades não essenciais, cujo funcionamento, ainda que parcial, fora autorizado pelo Decreto Municipal nº 7.603/2020. Argumenta o Município de Sertãozinho que a manutenção da liminar configura nítida invasão de competência administrativa. É o relatório. Decido. O deferimento pelo Presidente do Tribunal do pedido de suspensão dos efeitos de liminar é medida de caráter excepcional, com natureza urgente, destinada a evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, destituída de natureza recursal infringente. Incide, aqui, o artigo 12, § 1º, da Lei nº 7.347/85. Por não ter natureza recursal, em regra, este incidente não admite minuciosa análise de provas – salvo daquelas para dar lastro à possibilidade de lesão à ordem e à segurança públicas – nem o reconhecimento de nulidades processuais no feito de origem. O foco de análise é o risco de lesão aos interesses públicos tutelados (ordem, saúde, segurança e economia públicas). In casu, a decisão proveniente do primeiro grau de jurisdição impôs ao Município de Sertãozinho o cumprimento do Decreto Estadual nº 64.881/2020 e de todas as disposições emanadas pelas autoridades sanitárias do Governo do Estado de São Paulo no que tange à pandemia de COVID-19 (coronavírus), enquanto seus efeitos estiveram presentes, determinando ainda a suspensão de atividades em estabelecimentos privados de serviços e atividades não essenciais, cujo funcionamento, ainda que parcial, fora autorizado pelo Decreto Municipal nº 7.603/2020, adotadas outras providências, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 a ser destinada ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos (fls.25/30; 67/70). Ao que parece, ao editar norma específica, é dizer, o Decreto Municipal nº 7.603/2020, e esse o fundamento da decisão proferida pelo juízo, ainda que em cognição sumária própria à espécie, o Município de Setãozinho afastou-se do que determinara o decreto estadual mencionado, que suspendera o funcionamento presencial dos estabelecimentos que não exerciam atividades ESSENCIAIS. Aliás, tal decreto foi prorrogado até o dia 10 de maio de 2020 pelo Decreto Estadual nº 64.946/2020. Nesse diapasão, a título de exemplo, o artigo 3º do Decreto Municipal nº 7.603/2020 autoriza até o dia 4 de maio de 2020 a abertura parcial, com adequações, do ‘comércio em geral’ e da ‘prestação de serviços’ (fls.26). Assim, tudo indica contrariedade à norma estadual. Vale destacar que, em regra, a norma estadual prevalece sobre aquela editada no contexto municipal, tendo em vista o disposto nos artigos 24, inciso XII, e 30, inciso II, da Constituição Federal. Em outras palavras, a Constituição Federal aponta que os temas ligados à proteção e defesa da saúde, e é disso que estamos a tratar, pertencem à competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, aqui excluído, portanto, o Município, que recebe, no artigo 30, inciso II, da Carta Magna, competência legislativa apenas suplementar, ‘no que couber’. À evidência, tal expressão final significa que há possibilidade de atuação legislativa municipal nas matérias concorrentes federais e estaduais se caracterizado o interesse local específico. Nesse diapasão, tais normas prevalecem na hipótese, não influenciada pelos artigos 23, inciso II, e 30, inciso I, da Constituição Federal (fls.02). Aliás, no tocante às competências legislativas dos entes federativos, recente decisão proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 672 esclarece o panorama: ‘Igualmente, nos termos do artigo 24, XII, o texto constitucional prevê competência concorrente entre União e Estados/Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde; permitindo, ainda, aos Municípios, nos termos do artigo 30, inciso II, a possibilidade de suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, desde que haja interesse local; devendo, ainda, ser considerada a descentralização político-administrativa do Sistema de Saúde (art. 198, CF, e art. 7º da Lei 8.080/1990), com a consequente descentralização da execução de serviços e distribuição dos encargos financeiros entre os entes federativos, inclusive no que diz respeito às atividades de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 6º, I, da Lei nº 8.080/1990).’ Essa decisão foi ressaltada pelo próprio requerente. Entrementes, o sentido a ser adotado está exposto acima, é dizer, o devido respeito à divisão de competências legislativas, destacada a natureza suplementar daquela referente ao município. Além disso, verifica-se que não estamos diante de situação em que materializada uma invasão na competência administrativa deste ou daquele ente público. O assunto, aqui, diz respeito somente a competências legislativas. Por conseguinte, inexistem razões que confiram à decisão liminar potencial a ensejar grave lesão à ordem e à economia públicas. Em realidade, por razões evidentes, o risco de dano inerente à eventual suspensão da decisão liminar atacada supera e muito aquele decorrente do respectivo cumprimento. Anoto que, sob o vértice do periculum in mora, a alegação do Município de Sertãozinho quanto ao comprometimento da economia municipal, a destacar que as providências de enfrentamento da pandemia da Covid-19 no âmbito local são satisfatórias, além de excessivamente genéricas, não se mostraram aptas a dar suporte à medida de suspensão pleiteada. Este posicionamento está em harmonia com a decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello no julgamento da SS 1185: ‘Em tema de suspensão de segurança, não se presume a potencialidade danosa da decisão concessiva do writ mandamental ou daquela que defere liminar em sede de mandado de segurança. A existência da situação de grave risco ao interesse público, alegada para justificar a concessão da drástica medida de contracautela, há de resultar cumpridamente demonstrada pela entidade estatal que requer a providência excepcional autorizada pelo art. 4º da Lei nº 4.348/64. Não basta, para esse efeito, a mera e unilateral declaração de que, da execução da decisão concessiva do mandado de segurança ou daquela que deferiu a liminar mandamental, resultarão comprometidos os valores sociais protegidos pela medida de contracautela (ordem, saúde, segurança e economia públicas)’. Vale frisar, ainda uma vez mais, que a competência legislativa municipal a respeito de proteção e defesa da saúde é supletiva às competências federal e estadual, estas concorrentes entre si, observando-se que para ser exercida deve ter por base interesse local específico não abrangido por aqueles que embasaram a norma estadual ou federal. No ponto, o pedido de suspensão em análise não encontra amparo em substrato documental capaz de demonstrar a relevância do interesse local. Destarte, inexistindo elementos seguros em favor da pretensão do município requerente, não há justificativa para que o Presidente do Tribunal de Justiça, neste remédio de caráter absolutamente excepcional, em antecipação ao verdadeiro juiz natural da causa em segunda instância, suspenda a eficácia de decisão de primeiro grau que nada tem de teratológica. Diante do exposto, ausentes os pressupostos legais, indefiro a suspensão da liminar aqui postulada. P.R.I. São Paulo, 30 de abril de 2020.” Assim, diante da natureza da matéria tratada no texto normativo impugnado e o questionamento no tocante a competência legislativa municipal, defiro o pedido de suspensão do Decreto nº 1.313, de 11 de maio de 2020, do Município de Bastos, até o julgamento definitivo da presente ação. Comunique-se, com urgência, pela via eletrônica, na forma do Comunicado CG nº 02/2014 (publicado no DJe de 10 de janeiro de 2014, Caderno Administrativo, p. 4/5), servindo este(a) como ofício. Requisitem-se informações junto ao Sr. Prefeito de Bastos, no prazo de 30 (trinta) dias. Cite-se o Procurador-Geral do Estado para, querendo, nos termos do art. 90, §2º da Constituição Estadual, promover a defesa da norma impugnada. Após, manifeste-se a Procuradoria Geral de Justiça. Int. São Paulo, 14 de maio de 2020. ELCIO TRUJILLO Relator