O amendoim é um dos mais tradicionais petiscos da culinária brasileira. Na mesa do bar ou servindo de alimento base para guloseimas imperdíveis como a paçoca e o pé de moleque, é indispensável para muitos brasileiros. O que muitos não sabem é que o amendoim não se destaca só nas noites de São João, mas também na prevenção de doenças como diabetes, hipertensão e até mesmo câncer, revela pesquisa encabeçada por professoras do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da UEL.
Atualmente professora do curso de Tecnologia em Alimentos na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Juliany Piazzon Gomes conta que a pesquisa “Peptídeos Bioativos de Amendoim Produzidos por Tecnologias Emergentes” começou em 2020, quando estava ingressando em seu doutorado na UEL. Foi quando conheceu Thais de Souza Rocha, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência de Alimentos (PPG-CA), que se tornou sua orientadora.
Thais trabalha com peptídeos bioativos de proteínas de origem animal e vegetal desde seu pós-doutorado. O amendoim, sugerido por Juliany, uniu as duas no projeto, que tem por objetivo estudar a leguminosa, suas possibilidades e benefícios para, futuramente, resultar em produtos benéficos à saúde da população.
Um alimento com potencial
“O problema do amendoim era a gordura”, explica Thais. Mesmo tendo de 20% a 30% de proteína em sua composição, essa parte do alimento acaba se tornando um coproduto, servindo principalmente de ração para animais. Assim, o aproveitamento dessa parte proteica direcionado para a alimentação humana “fica para trás”.
A matéria-prima da pesquisa é a farinha de amendoim desengordurado, o “farelo peanut meat”, como explica Juliany. O produto concentra a parte mais proteica, possibilitando a extração de peptídeos bioativos, pequenas cadeias de aminoácidos que desempenham diversas funções importantes no organismo humano.
“A composição da molécula de proteína são os aminoácidos. Uma proteína pode ter 100, 200 e até 500 unidades de aminoácidos, enquanto um peptídeo tem até 20. Para gerá-lo no corpo humano, comemos a proteína e a digerimos, usando enzimas para quebrá-la e absorvê-la durante o processo. Isso ocorre naturalmente ao comermos alimentos que são fontes de proteínas. No entanto, esse processo não é tão eficaz. Nós produzimos o peptídeo mas não conseguimos absorver todo o potencial que aquela proteína oferece”.
No projeto, as pesquisadoras fazem simulações digitais para avaliar todo o potencial que uma proteína tem de gerar peptídeos bioativos, verificando a capacidade total que ela tem de proporcionar bioatividades anticancerígenas, antidiabéticas e antioxidantes. “Quando comparamos a simulação com o que realmente acontece no nosso organismo, o potencial é muito maior”, comenta Juliany. “A ideia do projeto é justamente facilitar a geração desses peptídeos”.
A partir dessas simulações é que entra o processo “bruto” do projeto. Para realizar testes com o farelo de amendoim, Thais e Juliany utilizam as chamadas ‘tecnologias emergentes’, técnicas que, além de não poluírem o ambiente, não utilizam enzimas em seus procedimentos. “No nosso caso, pensamos em ultrassom, alta pressão, micro-ondas e outras tecnologias verdes que não geram efluentes. Nós tratamos o alimento antes do consumo para que depois o organismo consiga digerir aquilo de forma mais fácil”, esclarece Thais.
Pequenas moléculas, grandes vantagens
Os benefícios dos peptídeos bioativos do amendoim são diversos. A partir das simulações, foram identificadas, por exemplo, atividades antidiabéticas. “É um peptídeo que inibe uma enzima que faz parte do desenvolvimento da diabete. Ao longo da vida, se o indivíduo consome muito doce e sofre de muita variação do índice glicêmico, há uma enzima que participa desse processo e que estimula a resistência à insulina. Se você inibir essa enzima, você não tem resistência à insulina, logo, não desenvolverá diabetes”, explica Thais.
Seguindo o mesmo funcionamento, as pesquisadoras observaram outro peptídeo que oferece ações hipertensivas, análogas a medicamentos tomados por pessoas com pressão alta. “A vantagem do amendoim é que, como é um alimento e não um remédio, ele não acarreta efeitos colaterais”, informa Juliany.
Além de tudo, a leguminosa é capaz de gerar efeitos antioxidantes no corpo humano. A partir daí, Thaís afirma que várias doenças podem ser prevenidas. “O processo oxidativo acontece naturalmente com todos. Até mesmo o envelhecimento é causado por ele. Toda doença, por exemplo, é um processo oxidativo, descontrolado”. Câncer, diabetes, doenças cardiovasculares, dentre outros males são estimulados por esse processo. “Então, se você tem um mecanismo que inibe o processo oxidativo, você diminui o risco de desenvolvimento dessas doenças”, complementa.
Cardápio do futuro
A pesquisa ainda está em fase laboratorial e de simulações, mas, de grão em grão, as cientistas têm pretensões de expandi-la. Em uma sociedade em que a dieta plant based – muito difundida entre vegetarianos estritos e veganos – está na moda, as possibilidades de aplicações da farinha do amendoim são infinitas. “O uso mais direto é para a panificação: pães, biscoitos, bolos, por exemplo, feitos com farinha de amendoim. É um estudo além, que considera o processamento do alimento e todos os pormenores. Será alvo de outra pesquisa”, contam.
O desejo de Thais e Juliany é levar a discussão também para a esfera educativa, mais precisamente para a educação alimentar do público infantil. “Um biscoito que tem características preventivas, ao ser distribuído para crianças, faz parte de uma política de saúde pública”, esclarece a orientanda. “Assim, no futuro, teremos menos pessoas diabéticas, hipertensas e com problemas cardiovasculares. Além disso, estimularemos hábitos saudáveis”, avaliam.
*Estagiária de Jornalismo na COM/UEL.
Fonte: UEL