Justiça nega (novamente) pedido de reabertura do comércio em Marília

Prefeitura tentava suspensão de sentença que foi negada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ) indeferiu o pedido de Suspensão de Sentença (sobre a decisão que determinou ao município o cumprimento do decreto Estadual nº 64.881/2020 e de todas as disposições emanadas das autoridades sanitárias do Governo do Estado de São Paulo, no que tange à pandemia de Covid-19 – coronavírus – sob pena de multa diária, no valor de R$100mil), em Ação Civil Pública, promovida pela prefeitura de Marília.

Na decisão, divulgada hoje (11), o presidente do TJ Geraldo Francisco Pinheiro Franco, argumenta que “Exatamente por ser incidente do processo, com feição de contracautela, a análise do pedido de suspensão não admite análise de provas ou análise do mérito do litígio. Entram em consideração, isto sim, os aspectos que dão lastro à possibilidade de lesão à ordem e à segurança públicas”.

Na ação proposta de suspenção de Sentença, a prefeitura alegava que “Em síntese, sugere o Município de Marília que a manutenção da decisão (de seguir o decreto estadual) configura nítida invasão de competência administrativa”.

No despacho, o presidente do Tribunal reafirma o posicionamento favorável a manutenção da sentença:

“Cabe destacar que não ficou delineada qualquer invasão na competência administrativa deste ou daquele ente público. O assunto, aqui, diz respeito somente a competências legislativas. Em consequência, a decisão e a subsequente sentença não ostentam potencial lesivo à ordem e à economia públicas. Bem ao contrário, o risco inverso, decorrente da eventual suspensão da decisão como pretende a municipalidade, é muito superior àquele decorrente do respectivo cumprimento”.

Geraldo Franco ainda acrescentou “Anoto que, sob o vértice do periculum in mora, as razões expostas pelo requerente, quanto ao comprometimento da economia municipal, são excessivamente genéricas e não são capazes de dar suporte à medida de suspensão pretendida”.

E finaliza a decisão “Insisto ainda uma vez mais que a competência legislativa municipal a respeito de proteção e defesa da saúde é supletiva às competências federal e estadual, estas concorrentes entre si, observando-se que para ser exercida deve ter por base interesse local específico, não abrangido por aqueles que embasaram a norma estadual ou federal. Neste ponto, o pedido de suspensão em análise não tem amparo documental suficiente para demonstrar a relevância do interesse local. Diante do exposto, ausentes os pressupostos legais, indefiro a suspensão da sentença postulada. 

Leia a decisão na íntegra;

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Gabinete da Presidência

Registro: 2020.0000326803 Natureza: Suspensão de sentença

Processo n. 2090086-85.2020.8.26.0000
Requerente: Município de Marília
Requerido: Juízo de Direito da Vara da Fazenda Pública da

Comarca de Marília

Pedido de suspensão de sentença – Ação civil pública – Decisão que determinou ao Município de Marília o cumprimento do Decreto Estadual no 64.881/2020 e de todas as disposições emanadas das autoridades sanitárias do Governo do Estado de São Paulo no que tange à pandemia de COVID-19 (coronavírus), sob pena de multa diária. Ausência de demonstração de lesão à ordem e à economia públicas. Pedido rejeitado.

O MUNICÍPIO DE MARÍLIA formula pedido de suspensão dos efeitos da sentença proferida nos autos da ação civil pública no 1003738-19.2020.8.26.0344, da Comarca de Marília, sob fundamento de grave lesão à ordem e à economia públicas.

De acordo com o que consta dos autos, o juízo da Comarca de Marília deferiu medida liminar e, depois, a confirmou em sentença, para determinar ao Município de Marília o cumprimento do Decreto Estadual no 64.881/2020 e de todas as disposições emanadas das autoridades sanitárias do Governo do Estado de São Paulo no que toca à pandemia de COVID-19 (coronavírus), enquanto seus efeitos estiverem presentes. Em síntese, sugere o Município de Marília que a manutenção da decisão configura nítida invasão de competência administrativa.

É o relatório. Decido.

I. O deferimento pelo Presidente do Tribunal do pedido de suspensão dos efeitos da sentença é medida de caráter excepcional, com natureza urgente, destinada a evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, destituída de natureza recursal infringente. Incide, aqui, o artigo 12, § 1o, da Lei no 7.347/85.

Exatamente por ser incidente do processo, com feição de contracautela, a análise do pedido de suspensão não admite análise de provas ou análise do mérito do litígio. Entram em consideração, isto sim, os aspectos que dão lastro à possibilidade de lesão à ordem e à segurança públicas.

No caso, a decisão proferida pelo juiz de primeiro grau de jurisdição, tornada definitiva por sentença, impôs ao Município de Marília o cumprimento do Decreto Estadual no 64.881/2020 e de todas as disposições emanadas das autoridades sanitárias do Governo do Estado de São Paulo no que tange à pandemia de COVID-19 (coronavírus), enquanto seus efeitos estiveram presentes, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 a ser destinada ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos (fls. 296/303).

Como consta da fundamentação da decisão e da sentença, a municipalidade pretendeu, a partir de 1o de abril de 2020, editar norma específica para aquele município, em evidente dissonância com as determinações constantes do decreto estadual mencionado, especialmente na parte em que suspendera o funcionamento presencial dos estabelecimentos que não exerciam atividades ESSENCIAIS. Anoto que o decreto foi prorrogado até o dia 10 de maio de 2020 pelo Decreto Estadual no 64.946/2020 e, depois, até 31 de maio de 2020.

II. Permito-me lembrar que, em regra, a norma estadual prevalece sobre aquela editada no contexto municipal, tendo em vista o disposto nos artigos 24, inciso XII, e 30, inciso II, da Constituição Federal. Em outras palavras, a Constituição Federal aponta que os temas ligados à proteção e à defesa da saúde, e é disso que cuidam os autos, integram a competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, aqui excluído, portanto, o Município, que recebe, no artigo 30, inciso II, da Carta Magna, competência legislativa suplementar, “no que couber”.

À evidência, tal expressão final significa que há possibilidade de atuação legislativa municipal nas matérias concorrentes federais e estaduais, desde que caracterizado o interesse local específico. Nesse sentido, tais normas prevalecem na hipótese, não influenciada pelos artigos 23, inciso II, e 30, inciso I, da Constituição Federal.

É esclarecedora a recente decisão proferida pelo Ministro Alexandre de Moraes nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no 672, no que se refere às competências legislativas dos entes federativos, invocada pelo próprio ente público requerente:

“Igualmente, nos termos do artigo 24, XII, o texto constitucional prevê competência concorrente entre União e Estados/Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde; permitindo, ainda, aos Municípios, nos termos do artigo 30, inciso II, a possibilidade de suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, desde que haja interesse local; devendo, ainda, ser considerada a descentralização político- administrativa do Sistema de Saúde (art. 198, CF, e art. 7o da Lei 8.080/1990), com a consequente descentralização da execução de serviços e distribuição dos encargos financeiros entre os entes federativos, inclusive no que diz respeito às atividades de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 6o, I, da Lei no 8.080/1990).”

Esse, portanto, o sentido e a interpretação cabíveis no caso, qual seja o devido respeito à divisão de competências legislativas, destacada a natureza suplementar daquela referente ao município. Cabe destacar que não ficou delineada qualquer invasão na competência administrativa deste ou daquele ente público. O assunto, aqui, diz respeito somente a competências legislativas.

Em consequência, a decisão e a subsequente sentença não ostentam potencial lesivo à ordem e à economia públicas. Bem ao contrário, o risco inverso, decorrente da eventual suspensão da decisão como pretende a municipalidade, é muito superior àquele decorrente do respectivo cumprimento.

Anoto que, sob o vértice do periculum in mora, as razões expostas pelo requerente, quanto ao comprometimento da economia municipal, são excessivamente genéricas e não são capazes de dar suporte à medida de suspensão pretendida.

Este posicionamento está em harmonia com a decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello no julgamento da SS1185:

“Em tema de suspensão de segurança, não se presume a potencialidade danosa da decisão concessiva do writ mandamental ou daquela que defere liminar em sede de mandado de segurança. A existência da situação de grave risco ao interesse público, alegada para justificar a concessão da drástica medida de contracautela, há de resultar cumpridamente demonstrada pela entidade estatal que requer a providência excepcional autorizada pelo art. 4o da Lei no 4.348/64. Não basta, para esse efeito, a mera e unilateral declaração de que, da execução da decisão concessiva do mandado de segurança ou daquela que deferiu a liminar mandamental, resultarão comprometidos os valores sociais protegidos pela medida de contracautela (ordem, saúde, segurança e economia públicas)”.

Insisto ainda uma vez mais que a competência legislativa municipal a respeito de proteção e defesa da saúde é supletiva às competências federal e estadual, estas concorrentes entre si, observando-se que para ser exercida deve ter por base interesse local específico, não abrangido por aqueles que embasaram a norma estadual ou federal. Neste ponto, o pedido de suspensão em análise não tem amparo documental suficiente para demonstrar a relevância do interesse local.

Inexistindo elementos seguros em favor da pretensão do município requerente, não há justificativa para que o Presidente do Tribunal de Justiça, neste remédio de caráter absolutamente excepcional, em antecipação ao verdadeiro juiz natural da causa em segunda instância, suspenda a eficácia de decisão de primeiro grau que nada tem de teratológica.

Diante do exposto, ausentes os pressupostos legais, indefiro a suspensão da sentença postulada. P.R.I.

São Paulo, 11 de maio de 2020.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Presidente do Tribunal de Justiça

Fonte: jornaldamanha